Nem sempre consigo escrever as coisas sob o calor dos acontecimentos.
O que é bom, porque assim consigo ser um pouco mais racional, mesmo em assuntos mais delicados.
O mês de setembro (em setembro…) fechou de uma maneira muito triste.
O jogo da vida, ao menos da que eu vivo, sofreu uma influência bastante decisiva.
O time das pessoas que sonham em mudar o amanhã perdeu a presença de Rédson, vocal e guitarra do Cólera, entre outras bandas que ele teve durante a vida.
Pra quem ama futebol, mas não sabe o que é o Cólera, eu diria que eles são mais ou menos como o Juventus.
Paulistanos, mega importantes para a história do rock, em específico do punk rock independente da cidade, e deixados de lado pela grande mídia que prefere olhar para as mesmices do dia a dia.
Mas, mais do que influenciar musicalmente, os discos do Cólera colaboraram demais no processo de formação educacional e social de muitas pessoas, entre elas, eu.
De seus discos (Tente mudar o amanhã, Pela paz em todo mundo, Verde, não devaste, Mundo mecânico, mundo eletrônico, Caos mental geral e Deixe a Terra em paz) saíram ideias, pensamentos e atitudes que serviram de inspiração para meu comportamento desde a década de 80.
Mas só nos anos 90, quando já estava envolvido diretamente com o movimento punk, onde não existem fronteiras entre bandas, fanzineiros e punks em geral, entrei em contato pessoalmente com o Redson.
Na época organizamos um show inesquecível no Planeta Rock, em São Bernardo do Campo.
Mais de duas horas de som, que ficaram na memória do pessoal até hoje.
Anos mais tarde, devido ao meu trabalho, uma vez por semana eu tinha que ir do ABC até o Capão Redondo e por vezes passava na gráfica onde ele trabalhava pra batermos papo sobre punk rock, sobre a história do Cólera e claro, sobre política, ecologia e a sociedade em geral.
Aos poucos a figura da referência musical (quase um ídolo, ainda que no meio punk sempre tenhamos repudiado essa denominação) dava espaço à pessoa Redson. Confesso que no fim dos anos 90, início dos anos 2000 meu posicionamento foi ficando bastante radical e por vezes fiquei chateado com o Cólera por coisas como eles cobrarem para tocar nos festivais que a gente armava, ou por exigirem um equipamento que na época eram quase inacessíveis para nós, punks do ABC.
Mas os anos passaram, eu amadureci e o som do Cólera sempre me acompanhou. Tornei-me vegetariano, passei a atuar com outros grupos de contra cultura, entre eles o Ativismo ABC, com o qual conseguimos por fim alugar uma casa para sediar eventos como palestras e debates.
Logo, quis levar atividades relacionadas ao punk para dentro da Casa da Lagartixa Preta Malagena Saleroza (sede do Ativismo ABC) e me peguei pensando em como levar uma atividade punk sem relacionar com um show, propriamente dito.
Nascia ali a ideia de comemorar os 30 anos do Cólera, não apenas com um show, mas uma palestra do Redson sobre a evolução da cultura underground.
Como complemento, organizamos ainda, junto do pessoal da COBAIN (Cooperativa de Bandas Independentes do ABC) um show, no Sonia Maria, bairro operário de forte tradição punk.
Foi tudo muito legal e o Redson tornou-se ainda mais presente no ABC, não só pra tocar, mas para visitar os amigos.
Tivemos a chance de acompanhar o Cólera com a banda Tercera Classe por algumas vezes, creio que a última delas no Outs, em SP.
Mas o tempo é arisco e quando vimos, mais 6 anos tinham se passado e embora nos encontrássemos em alguns shows, nunca mais tivemos a oportunidade de sentar e bater um papo.
Recentemente, ainda comentava com a Mari sobre a felicidade em termos assistido ao Cólera, no Kazebre.
Ver o Cólera já não era algo tão raro, como antigamente. Talvez por isso não tenha dado àquele show a devida importância.
O facebook passou boa parte do ano me lembrando que talvez eu conhecesse “Redson Pozzi”, graças aos vários amigos em comum.
Mas, sou teimoso. Não gosto da ideia de retomar uma amizade pela internet. Esperava um reencontro pessoal, pra aí sim voltar a papear pela internet.
O reencontro pessoal não veio.
Veio a notícia, pela manhã. A notícia não, o boato.
Não podia ser real.
Mas era.
Não houve oportunidade para um último papo, uma última história.
Fica a saudade e o sentimento de perda.
Vai-se uma grande referência.
O jogo da vida fica cada vez mais triste e difícil pra quem não quer jogar do jeito errado…
Segurem-se amigos. São tempos difíceis…
Redson, fique em paz…