Um breve olhar sobre o futebol no Afeganistão

Recentemente, tivemos em Santo André uma feira de cultura do Afeganistão e eu achei incrível a oportunidade de poder conhecer um pouco do povo que nasceu tão longe e atualmente, por problemas sociais, políticos e até religiosos, está vivendo no nosso país.
Olha que bacana!

Nova formação do Visitantes?
Não, não, só um papo intercontinental sobre música.

E olha cada coisa gostosa…

Além de experimentar várias comidinhas deliciosas e de trocar um monte de ideia sobre cultura em geral, acabei registrando um papo sobre futebol com um dos afegãos que estiveram ali, se liga:

É difícil falar sobre o futebol sem tentar minimamente entender a história do país.
Devido à sua localização estratégica ligando o Oriente Médio à Ásia Central e ao subcontinente indiano, o território do atual Afeganistão foi um ponto essencial para a rota da seda e para a migração humana, sendo ocupado por diversos povos.

Seu território sempre foi muito disputado desde a antiguidade até os dias atuais.
A história moderna do Afeganistão começa em 1709, com a ascensão dos Pachtuns (ou “pastós”) ao poder em 1747.
Em 1776, sua capital foi transferida de Candaar para Cabul.
No final do século XIX, o Afeganistão acabou servindo de divisa “neutra” entre os impérios britânico e russo, por isso essa parte mais estreita, porém longa no lado leste do país.

O Reino do Afeganistão, por vezes referido como Reino de Cabul, foi reconhecido como um estado soberano pela comunidade internacional após a assinatura do Tratado de Rawalpindi em 1919.
Mas provavelmente você já viu alguma coisa referente à história do país e nem lembra, como por exemplo o livro “O livreiro de Cabul”. Ou veja aqui uma lista de 10 filmes sobre o país.

Após a segunda guerra, a guerra fria teve um desdobramento importante no país: a União Soviética passou a se relacionar mais intensamente com o Reino.
Em 1973, a monarquia foi derrubada pelo grupo do general Sardar Mohammad Daoud Khan (esse da foto abaixo), primo do rei Mohammad Zahir, e a URSS torna-se forte aliada da recém formada República com a promessa de maior democracia.

Porém, aos poucos, os EUA foram se reaproximando do governo o que culminou em um novo golpe, em 1978, dessa vez dado pelo partido comunista local, fazendo a URSS voltar a ter protagonismo no Afeganistão.
E para evitar futuros problemas e a sensação de incerteza política, os soviéticos decidiram ocupar o país em 1979.

Nem toda a população local curtiu esse movimento, principalmente os grupos extremistas islâmicos que criou uma resistência armada por meio de guerrilhas, como o grupo Mu Jahedin.

E adivinha quem apareceu para apoiar estes guerrilheiros com armas, treinamentos e grana? Se você disse Estados Unidos da América, acertou!
Aliás, um dos que receberam essa ajuda foi um cara chamado Bin Laden

Para os americanos, tudo valia a pena desde que barrassem o crescimento da influência soviética no mundo.
E acabou dando certo, pois em 1989, a União Soviética decide tirar suas tropas do Afeganistão, mas o que se viu na sequência foi uma verdadeira guerra civil.

Cara, que povo sofrido… É tiro de todo lado!
Era um caos a situação pós União Soviética, mas as coisas ainda iriam piorar: um grupo miliciano dos Mu Jahedin formado por pachtuns conseguiu chegar ao poder em 1996.
Era o nascimento do talibã e com ele um novo tipo de governo, legislado pela sharia, uma lei baseada em uma interpretação “beeem particular” do islamismo, bastante antidemocrático, fortemente bélico e que representaria um regresso no tipo de vida que o povo afegão vinha levando.

Só pra exemplificar e citando matéria e foto do G1 (veja aqui), o talibã proíbe música, maquiagem e que as meninas de 10 anos ou mais vão à escola.

Porém, as coisas iriam mudar drasticamente com o ataque às torres gêmeas nos EUA em 2001 pelo grupo Al-Qaeda.
Os americanos declararam guerra ao terrorismo e o líder do grupo Osama Bin Laden tornou-se seu principal alvo, como mostrou a capa do “New York Post” de 18 de setembro de 2001:

Tentando fugir dos seus perseguidores, adivinha para onde fugiu Osama Bin Laden? Para o Afeganistão.
Assim, dando sequência à “Guerra ao terror”, os EUA invadem o Afeganistão e retiram o talibã do governo.

Porém, assim como aconteceu com os soviéticos, os americanos passaram anos ocupando o país e enfrentando guerrilhas e atentados realizados pelo talibã.

O custo financeiro e também das vidas perdidas, fez com que, em 2014, o então presidente Barack Obama decidisse começar a retirar suas tropas do Afeganistão.
Na sequência, Donald Trump iniciou negociações diretas com o próprio talibã para negociar o futuro do país com a saída do exército americano.
Somente no governo de Joe Biden, em 2021, a saída das tropas se deu na prática.
Imediatamente o talibã atacou o “governo” e voltou ao poder, para o desespero da população local que tentou de todas as maneiras fugir…

O país volta a se chamar Emirado Islâmico do Afeganistão.

Para um resumo de toda essa história, recomendo o vídeo abaixo

A atual retomada do poder pelo talibã, significa voltar um cenário desolador, prejudicando diversas atividades culturais, entre elas o futebol.

Contextualizando a história do futebol, chegou a existir uma seleção nacional ainda nos anos 20 (veja foto abaixo), e a Federação Afegã foi criada em 1922, filiada na FIFA em 1948, e na Confederação Asiática de Futebol desde 1954, sendo um dos seus membros fundadores.

O primeiro clube de futebol afegão foi o Mahmoudiyeh FC, fundado em 1934.
Depois surgiu o Ariana Kabul FC, em 1941.
De 1946 a 1955 existiu a Liga de Cabul (Kabul Premier League), que teve um único campeão em suas 10 edições: o Ariana Kabul FC.
A Liga não foi disputada de 1956 a 1968, retornando na temporada 1968/69 com dois clubes (Habbibiya e Pas Cabul) e a partir de 1978 com 16 clubes.
A partir de 1984, com a intervenção soviética não houve mais disputa.
Depois, sob o domínio talibã, o futebol era permitido, mas a popularidade deste esporte foi explorada para espalhar propaganda, a ponto de usarem os estádios para realizar execuções públicas na frente de milhares de espectadores nos intervalos dos jogos.

O regime também proibiu mulheres de praticarem esportes, o que levou a protestos de muitas atletas e à saída do país da ex-capitã da seleção afegã, Khalida Popal, em 2011.

Com a queda do talibã em 2001, a Federação volta a atuar com afinco.
A Seleção Afegã de Futebol vence o Campeonato da Confederação Sul-Asiática de Futebol (SAFF) de 2013.

Em 2012, uma nova Liga do Afeganistão foi fundada, a Afghan Premier League (APL), também conhecida como Roshan Afghan Premier League.

Sob ocupação dos EUA, o american way of life chegou ao futebol: um reality show chamado Maidan e Sabz definiu pelo público da tv os atletas que compuseram as oito equipes, cada uma representando uma região no Afeganistão, a disputar o Campeonato Nacional a partir de então.
Veja um dos capítulos:

Então, vamos conhecer os 8 times, começando pelo Shaheen Asmayee FC.
“Shaheen” significa falcão, enquanto “Asmayee” refere-se às majestosas Montanhas Asmaye que dominam o horizonte da capital, Cabul.

Shaheen Asmayee representa Cabul, a capital do país, onde vivem mais de 5 milhões de habitantes.
Conquistou 4 títulos da Premier League Afegã (2013, 2014, 2016 e 2017), este é o time de 2013:

Outro time é o Toofan Harirod.
Toofan significa “Tufão” e Harirod é o nome do rio com mais de 1.100 quilômetros de comprimento, que flui até a fronteira iraniana, dividindo os dois países.

Toofan Harirod representa a zona ocidental do país e foram os primeiros campeões da Afghan Premier League (APL) em 2012.

Encontrei até uma foto de uma torcedora no campo:

Falemos agora do Simorgh Alborz, que representa as províncias do norte. Simorgh é o nome de uma ave mítica e Alborz é o nome da cordilheira presente na região.

O Simorgh Alborz foi vice-campeão da APL de 2012 e 2013.

Já o Oqaban Hindukosh, tem seu nome em homenagem à cordilheira Hindukosh que serve de casa para as grandes águias do Afeganistão (Oqaban).

Mawjhai Amu representa o nordeste do Afeganistão.
Amu é o nome do rio que se estende desde as montanhas de Pamir até o Mar Aral, fazendo fronteira com o Tajiquistão, Uzbequistão e Turquemenistão.
Mawjhai significa “onda”.

Representando a região oriental do Afeganistão, temos o time do De Abasin Sape.
Abasin é o nome Pashto do rio Indus, que alimenta muitos pequenos rios no Afeganistão. Sape é uma palavra de Pashto que significa ondas.

Representando as Montanhas Spinghar, as Montanhas Brancas, na parte oriental da cordilheira Hindukosh temos o Spinghar Bazan.
Bazan significa falcões, muito comuns pelo Afeganistão, especialmente nos climas montanhosos mais frios.

A 8ª e última equipe, representa as províncias de Kandahar, Nimroz, Helmand, Zabul e Orozgan: De Maiwand Atalan.
Seu nome vem de uma famosa aldeia no norte de Kandahar chamada “Maiwand”, conhecida pela Batalha de Maiwand, durante a Segunda Guerra Anglo-Afegã e complementado com o “Atalan”, que significa “Campeões”.

Seria lindo acabar por aqui com você imaginando quanta pujança no Campeonato do Afeganistão, mas…
A volta do talibã, em 2021 trouxe uma série de mudanças, a começar pelo nome do campeonato, que passou a ser Afghanistan Champions League.

Um fato triste é que um ex-jogador da seleção de base do Afeganistão, Zaki Anwari, que tentava fugir do país agarrado a um avião acabou morrendo…

Antigos clubes foram reativados no lugar daqueles criados durante a ocupação americana, e uma tentativa de usar o futebol como propaganda de que o talibã está menos agressivo. Será?
Os times atuais são o Attack Energy:

O FC Sorkh Poshan

O Istiqlal_FC

E o Abu Muslim, entre outros…

Aqui, a classificação final do campeonato de 2022:

Mas se o talibã voltou, também temos viva a luta da eterna capitão do time feminino Khalida Popal!
Vivendo como refugiada na Dinamarca, ela voltou a desafiar o sistema do talibã com o objetivo de resgatar meninas e mulheres atletas do próprio país.

Montou uma organização muito legal: a Girl power! (clica aí e confere)
Ela escreveu um livro que eu ainda quero ler: My beautiful sisters

Eae? Você já sabia algo do Afeganistão?
O post ajudou? Ou você nem chegou a ler essa última linha?
O mundo é enorme!

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215- Camisa do Al Sharjah S.C.

A 215ª camisa de futebol do nosso site foi um presente duplo… O meu amigo Caio Tâmbara recebeu do Murilo de São Caetano, e doou para mim, por isso obrigado aos dois!

O time dono da camisa é o Sharjah FC, fundado no ano de 1966 em Sharjah, terceiro emirado mais populoso dos Emirados Árabes Unidos.

Inicialmente surgiu sob o nome de Al Oruba Club, mas em 1974, passou por uma fusão com o Al Khaleej formando o Al Sharjah SCC, e tornando-se o primeiro campeão da Liga dos Emirados Árabes Unidos, na temporada 1973/74.

Sagrou-se campeão nacional também nas temporadas: 86/87, 88/89, 93/94, 95/96 e mais recentemente em 2018/19.

Também sagrou-se campeão da Emirates Cup nas temporadas 78/79,79/80, 81/82, 82/83, 90/91, 94/95, 97/98, 02/03 e 22/23, com o time abaixo:

O Maicosuel (lá de Cosmópolis, cidade da Mari) jogou por lá!

O clube adentrou à era do profissionalismo tornando-se Sharjah Football Club Company, em 2008, mudando sua identidade visual:

Mas a grana não se materializou em resultados e o Sharjah SC entrou em crise, sendo rebaixado pela primeira vez em sua história, em 2012.

Já em 2013, o time retorna à primeira divisão, e 6 anos depois conquista um novo título do campeonato nacional, em 2019.

Em 2023, veio a conquista da Copa ADIB:

E será que tem uns loucos lá nos Emirados Árabe que curtem uma festa na bancada?

Por fim, importante lembrar que o clube árabe fez uma parceria com um grupo de empresários de São Paulo (responsáveis pelo time da AA Cubatense, que já havia mudado pra Itapevi), fazendo surgir o Sharjah Brasil, que disputou a Copa SP de Futebol Júnior e mandando seus jogos em Alumínio.

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